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terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Perfume vira água de colônia e Crocs tem crise de identidade para fugir de tributação caótica

Perfume vira água de colônia e Crocs tem crise de identidade para fugir de tributação caótica

© Shutterstock


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Provocado a definir se um determinado alimento deveria ser classificado como biscoito ou bolo para fins de tributação, um tribunal inglês avaliou que só seria possível chegar a uma conclusão se fosse considerado o que acontece com o produto após seu vencimento. Se ficar mole, é biscoito; se ficar duro, é bolo.

 O exemplo citado pela professora Rita de la Feria, da Universidade de Leeds (Inglaterra), em audiência no Congresso Nacional no Brasil sobre a reforma tributária no começo de 2020, ilustra um problema causado pela dificuldade de sistemas nos quais se aplicam alíquotas diferenciadas para cada produto.

No Brasil também são inúmeros os casos que geram disputa, aumentando o contencioso tributário, dada a grande quantidade de tributos sobre o consumo e as inúmeras regras de classificação. Algumas delas, com diferenças regionais. Mesmo no caso federal, os enquadramentos muitas vezes variam de acordo com o fiscal responsável pela aferição.

A reportagem pediu a especialistas exemplos das distorções que contribuem para tornar o sistema tributário nacional caótico.

Há alguns casos emblemáticos. Exemplos. O debate sobre a classificação de barrinhas alimentícias como flocos de cereais ou produtos de confeitaria, para fins de IPI (Imposto sobre Produtos Industriais). A discussão para definir Crocs como calçados impermeáveis ou sandália com tiras de borracha ou plástico, para fins de aplicação de taxa antidumping na importação.

Há também empresas que alteram as características de seus produtos para colocá-los em uma categoria de menor tributação. É o caso daquilo que para o consumidor pode ter a função de perfume (IPI de 42%), mas que consta da nota fiscal como água de colônia (alíquota de 12%). Ou hidratantes (IPI de 22%) que conseguem ser enquadrados como desodorantes (7%).

Os tributos podem guiar ainda decisões de investimentos. Por exemplo, incentivar a construção de moradias com mão de obra e uso de concreto armado, um serviço tributado com 3,65% de PIS/Cofins cumulativo e até 5% de ISS. A mesma obra sobre uma estrutura metálica teria incidência de 12% de ICMS (em São Paulo), mais 9,25% de PIS/Cofins não cumulativo, pois seria enquadrada como um bem.

Há ainda uma série de benefícios tributários que podem compensar custos de logística e tornar mais atrativo fabricar carros em Goiás e criar bois em São Paulo, como dizem alguns especialistas na área.

Embora não seja uma exclusividade do país, são questões que ganharam por aqui um nível de complexidade que se reflete no bilionário contencioso tributário do país, em casos que muitas vezes se arrastam por décadas sem uma solução.

"É como se cada empresa tivesse seu próprio sistema tributário, porque depende de onde você está, de quem vai comprar, as características daquilo que você vende. É um sistema cheio de subjetividades. Quando a gente olha as propostas que buscam simplificar, acabar com essas diferenciações, a gente vê um avanço muito grande", afirma Marina Thiago, gerente de advocacy da Endeavor e do Movimento Pra Ser Justo, que defende a fusão de cinco tributos sobre o consumo em um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

O IBS é o centro de duas propostas de reforma tributária do consumo de iniciativa do Congresso e que preveem a taxação uniforme de praticamente todos os bens e serviços.

Enquanto alguns especialistas defendem os benefícios dessa unificação, outros apontam que o Brasil precisa de uma simplificação da legislação dos tributos atuais, mais padronização e maior rapidez na solução de controvérsias, mas sem acabar com os tributos atuais e algumas diferenciações.

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito São Paulo, afirma que alguns benefícios tributários contribuem para uma falta de racionalidade do sistema no Brasil, mas diz ser contra a extinção de quase todos eles, como defendido na maioria das reformas em discussão.

Segundo a especialista, não faz sentido que uma empresa de bebidas açucaradas, cuja matéria-prima é cana-de-açúcar ou mate, esteja instalada na Zona Franca de Manaus, apenas pelo benefício tributário. Por outro lado, seria importante direcionar benefícios para áreas como produtos da cesta básica e produtos de higiene menstrual.

"Tem de atacar esse tipo de situação, para que haja uma melhor distribuição da carga tributária entre aqueles que produzem e também para direcionar benefícios tributários para áreas que realmente são carentes destes benefícios", afirma Piscitelli.

Ao citar as divergências sobre o Crocs e as barrinhas, ela afirma que são questões que poderiam ser resolvidas a partir de alterações processuais, como criar câmaras de arbitragem de Direito Tributário, sem necessidade de reformas amplas e estruturais como as que estão em debate no Congresso.

Luis Carlos dos Santos, diretor da área de tributos da empresa Mazars, diz que a complexidade é um dos principais pontos que diferenciam o sistema tributário brasileiro do de outros países. Ele cita ainda a falta de padronização nas decisões dos diferentes agentes públicos e a demora em resolver essas questões, seja na esfera das autoridades tributárias ou no Judiciário.

Um exemplo, segundo ele, é a definição sobre o que é insumo para fins de crédito no PIS/Cofins não cumulativo –questão que o projeto do Ministério da Economia de fusão dos dois tributos tenta resolver.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu que deve ser considerado insumo tudo que seja imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica. Mas deixou a definição sobre o que é essencial para o Fisco.

É comum, segundo o especialista, haver interpretação diferente entre dois estados ou até mesmo na esfera federal, dependendo da localidade onde é feita uma determinada consulta.

"Temos situações em que o cliente considera determinado item como passível de crédito, para fins de ICMS ou PIS/Cofins. Outra empresa do mesmo ramo vai considerar esse mesmo item [como passível de crédito], mas o Fisco a questiona, lavra auto de infração", afirma.

"Como explicar para o investidor por que a empresa concorrente dele, que faz a mesma coisa, não foi autuada? Você ouve a expressão de que o Brasil é um manicômio tributário por conta dessas questões."

João Eloi Olenike, presidente-executivo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), cita a legislação do IPI como uma das questões mais complexas do sistema. São mais de 400 páginas, cada uma com diversas categorias de classificação.

Obter uma tributação menor é tarefa individual que exige da empresa modificação do produto, laudos técnicos e uma consulta ao Fisco. Muitas vezes, isso garante vender o mesmo que o concorrente recolhendo menos impostos.

"Não precisa mudar 100% da composição do produto. O bom planejamento é adequá-lo de forma que a Receita Federal entenda que pode ser classificado com uma tributação mais baixa. E que o produto final não seja tão diferente daquele de tributação mais alta", afirma o especialista.

Segundo Olenike, a ideia da diferenciação de alíquotas deveria ter como base o princípio constitucional da seletividade, ou seja, a essencialidade do produto. Esse é um conceito que muda com o tempo, e não há interesse do Estado em promover mudanças que reduzam a arrecadação. O forno micro-ondas, por exemplo, é taxado até hoje como produto de luxo (30% de IPI).

"A população é quem tem de dizer o que é supérfluo ou não é. Não são os técnicos da Receita Federal, nem os legisladores."

Renata Mendes, líder do Pra Ser Justo, afirma que a simplificação prevista nas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) apresentadas pela Câmara e pelo Senado em 2019 teriam o benefício de reduzir em cerca de 70% o tempo que as empresas gastam para apurar e pagar os tributos. O projeto do governo do PIS/Cofins também traria, em menor escala, algum benefício.

Para ela, a limitação de benefícios fiscais e alíquotas diferenciadas é importante para que uma reforma tributária tenha efeitos permanentes, sob o risco de deixar brechas para atendimento de demandas que acabem por descaracterizar essas mudanças, algo que já foi visto em outros países.

"Cada decisão de isentar alguns setores ou tipo de bem vai gerar depois uma série de contestações. Se deixar muitas exceções e isenções, é muito provável que em pouco tempo a gente chegue a um sistema muito parecido com o que temos agora.

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