Toda a investigação -que envolve pessoas ligadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)- foi arquivada por decisão do ministro Gilmar Mendes em setembro do ano passado, com anulação de provas colhidas e devolução de bens apreendidos, como automóveis e computadores
Valter Campanato/Agência Brasil |
Toda a investigação -que envolve pessoas ligadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)- foi arquivada por decisão do ministro Gilmar Mendes em setembro do ano passado, com anulação de provas colhidas e devolução de bens apreendidos, como automóveis e computadores.
O dinheiro em espécie encontrado pela polícia, no entanto, ficou parado.
Um assessor de Lira, a mulher e o motorista dele -com quem foram encontradas listas de pagamentos de contas do presidente da Câmara– ingressaram com pedidos para reaver os valores. Também fez a mesma solicitação um policial civil e empresário, em cujo escritório foi encontrado um cofre com cerca de R$ 4 milhões.
Gilmar Mendes negou esses pedidos sob o entendimento de que há dúvidas sobre a origem lícita do dinheiro aprendido na investigação criminal que ele mesmo anulou. Segundo a decisão do ministro do STF, os interessados devem agora entrar com uma ação civil para provar que o recurso foi obtido de forma legal.
A partir desta sexta-feira (20), a Segundo Turma do STF iniciou julgamento, no formato virtual, de um recurso envolvendo pedido para liberação de outros valores. O recurso foi impetrado após a negativa de Gilmar.
Em abril de 2022, a Folha mostrou que o governo Jair Bolsonaro (PL) repassou R$ 26 milhões para sete cidades alagoanas adquirirem kits de robótica. Os municípios tinham contratos com uma empresa, a Megalic, ligada a uma família aliada ao grupo político do presidente da Câmara.
A Folha revelou naquele mesmo mês indícios de fraudes nas licitações realizadas nos municípios, e pelas quais os kits foram comprados com dinheiro de emendas de relator. Também mostrou que a Megalic pagou R$ 2.700 pelos equipamentos e os vendeu por R$ 14 mil –a empresa nega irregularidades.
Foi com base nessas reportagens que a Polícia Federal iniciou a investigação. A corporação chegou a supostos operadores e ao assessor de Lira por meio de rastreio de valores e suspeitos.
Luciano Ferreira Cavalcante e Glaucia Cavalcante, respectivamente assessor de Lira e sua esposa, pediram ao STF a restituição de R$ 107,5 mil, segundo o relatório do caso. Essa quantia fora apreendida em uma mala na residência do casal, em Alagoas, durante a Operação Hefesto, da PF.
Além disso, Wanderson de Jesus, motorista de Luciano, pediu a devolução de R$ 150 mil. Esse dinheiro foi recolhido pelos policiais na mesma operação, também dentro de uma mala. Nesta mesma apreensão os investigadores encontraram anotações de pagamentos relacionados ao nome "Arthur".
Procurada, a defesa de Luciano, Glaucia e Wanderson não se manifestou. A assessoria de Lira informou que ele não iria se pronunciar.
Ao analisar a numeração das cédulas encontradas com o motorista, a PF comprovou que se trata do mesmo dinheiro sacado em banco por uma pessoa identificada como operador do esquema em Brasília.
Pedro Magno, que sacou o recurso, foi flagrado pelos investigadores tanto com o motorista Wanderson quanto na casa de Luciano, em Alagoas. Em entrevista ao jornal O Globo, Wanderson disse que o dinheiro era de Luciano.
Ainda há o pedido no STF pelo desbloqueio de R$ 3,5 milhões e US$ 24 mil, valores aprendido em um cofre e cuja divulgação das imagem ganhou grande repercussão. O montante estava em um escritório do policial e empresário Murilo Sergio Juca Nogueira Junior.
Também investigado pela PF, Murilo recebeu transferências dos donos da Megalic e é dono de uma picape Toyota Hilux preta utilizada por Pedro Magno para, segundo a polícia, levar dinheiro em Maceió à casa de Luciano Cavalcante. A Folha de S.Paulo revelou que o mesmo veículo foi usado por Lira na campanha de 2022.
A defesa de Murilo foi procurada, mas não respondeu.
Após o pedido para reaverem o dinheiro, a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) levantaram questionamentos sobre quem eram os verdadeiros donos das "grandes somas de dinheiro em espécie" apreendidos "em cofres, malas ou mochilas, no contexto de investigação de suposto desvio de verbas públicas da União".
Gilmar decidiu, inicialmente de forma individual, que esses valores permaneçam bloqueados em uma conta vinculada ao processo, até que seja decidido a quem as quantias pertencem.
"Como condição para liberação do dinheiro, os interessados deverão ingressar com ação cível contra a União e comprovar a origem lícita do numerário. Essa cautela ocorre não apenas em atenção ao disposto na lei, como também por dever de prudência", disse o ministro em sua decisão.
"Afinal, os valores tratados nesses autos remontam a grandes quantias de dinheiro, que estavam acondicionadas em cofres, mochilas ou malas, ou foram bloqueadas pelo Sisbajud [sistema de bloqueio de ativos], sem que se tenha segurança acerca de sua titularidade."
Uma parte dos investigados no caso recorreu dessa decisão, e pediu que a devolução dos valores bloqueados seja julgada de forma colegiada no Supremo. O que pode criar um precedente para que os demais envolvidos no processo também façam o mesmo pedido.
Além de Gilmar, são integrantes da Segunda Turma do STF os ministros Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli e Edson Fachin, que ainda não apresentaram os seus votos.
Gilmar Mendes suspendeu o inquérito policial sobre as denúncias envolvendo a compra de kits de robótica ao concordar com argumento de Lira de que a PF teria desrespeitado seu foro especial no andamento do caso.
O ministro disse que a autoridade policial instaurou investigação a partir de notícia jornalística "que expressamente sugeria o envolvimento de parlamentar federal em suposto esquema de malversação de recursos públicos".
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