Alison dos Santos Rodrigues foi impedido de se matricular no curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) após a instituição não reconhecer sua autodeclaração como pardo
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A decisão é de primeira instância e a universidade pode entrar com recurso. A USP informou que não se manifestará sobre a sentença.
Alison já estava frequentando o curso de Medicina da USP de forma provisória, devido a uma liminar dada pela Justiça no dia 5 de abril deste ano. Estudante de escola pública, ele havia sido aprovado no Provão Paulista no sistema de cotas, mas foi barrado após receber mensagem de boas-vindas da faculdade e participar da recepção aos calouros. A Comissão de Heteoidentificação da USP não aceitou sua autodeclaração de ser negro, de cor parda.
Na sentença publicada nesta quarta-feira, 25, o juiz afirma que as características do jovem permitem concluir "que este se enquadra na condição de pessoa parda, já que possui nariz largo, pele escura e cabelo crespo". O juiz considerou que, por ter sido selecionado via Provão e não pela Fuvest, o estudante foi submetido a uma avaliação de forma virtual, à distância.
Para o magistrado, essa forma se mostrou "prejudicial e anti-isonômica, em nítida violação ao princípio constitucional da igualdade", pois o tratamento é diferente do prestado ao candidato que tenha feito a Fuvest. "Pode-se concluir, portanto, com razoável probabilidade, que o autor foi prejudicado pelas condições externas na ocasião de sua avaliação, que foi realizada de forma virtual, levando a banca da heteroidentificação a entendimento diverso daquele que seria adotado caso a avaliação fosse realizada de forma presencial", escreveu na sentença, a qual a reportagem teve acesso.
No processo, a universidade disse que o candidato passou pela 1.ª fase da heteroidentificação, análise dos documentos e fotos, "em que nenhuma das bancas confirmou sua auto identificação para os critérios da universidade (sem que uma não soubesse da decisão da outra)."
Já na segunda etapa da análise, por videoconferência, a banca conclui que "o candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos raspados impedindo a identificação, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra".
Alison disse que a decisão do juiz o deixa feliz, após um período de espera. "Foram meses de incertezas e ansiedade, mas me sinto aliviado e, principalmente, grato. Cada etapa serviu como aprendizado e fortalecimento e, ao olhar para trás, posso ver o quanto cresci durante essa trajetória."
Segundo ele, cursar Medicina na USP sempre foi seu sonho. "A Medicina, para mim, sempre foi muito mais do que uma profissão; é uma vocação, um chamado para cuidar do outro, para fazer a diferença na vida das pessoas", disse. "Tudo o que passei até agora só fortaleceu minha determinação."
A advogada Giulliane Basseto Fittipald, que defendeu Juliano através de convênio mantido entre a Defensoria Pública de São Paulo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), disse que a decisão pode ajudar outras pessoas a estudar em uma universidade como a USP. "Nós sabemos que ainda cabe recurso, mas eu já tenho orgulho de onde chegamos", afirmou.
Critério mudou
Em julho deste ano, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento decidiu uniformizar o processo para todas as formas de ingresso - Fuvest, Enem USP e Provão Paulista -, no que se refere à averiguação das características fenotípicas dos candidatos autodeclarados pretos e pardos, um dos procedimentos criticados na decisão da justiça. Já para o vestibular de 2025, após a análise das fotografias feitas na primeira etapa da averiguação, comum a todos os candidatos pretos ou pardos, os candidatos não aprovados serão convocados para uma oitiva virtual.
Segundo a USP, a existência de dois modelos de entrevista - presencial para a Fuvest e virtual para o Enem USP e Provão Paulista - levou a questionamentos e judicialização por parte de alguns candidatos.
A USP adota as cotas para alunos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas nos cursos de graduação desde 2018. A Comissão de Heteroidentificação, criada em 2022 e adotada no vestibular de 2023, era uma demanda dos próprios estudantes, para prevenir fraudes.
A banca de heteroidentificação confirma a autodeclaração feita pelos estudantes com base nas características fenotípicas, como os traços físicos de negros, pretos ou pardos. São levados em conta características como a cor da pele, o formato do nariz, os lábios e a textura dos cabelos. A comissão não avalia critérios de ancestralidade, como o fato da pessoa ter parentes negros.
A comissão é formada por cinco membros, sendo um professor da universidade, um servidor técnico-administrativo, um aluno de graduação e um aluno de pós-graduação, ambos indicados pela Coligação dos Coletivos Negros da USP.
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