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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

'Nunca vivemos uma interferência política tão extrema na saúde pública', diz Dimas Covas

 

A vacina contra a Covid-19 que a instituição desenvolve com a farmacêutica chinesa Sinovac continua sendo alvo de disputa entre o governo de São Paulo, liderado por João Doria (PSDB), e o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

© Getty Images

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Instituto Butantan completa, nesta terça (23), 120 anos, num momento em que sob os holofotes –na imprensa, na boca do povo e no meio de uma disputa com o governo federal.


A vacina contra a Covid-19 que a instituição desenvolve com a farmacêutica chinesa Sinovac continua sendo alvo de disputa entre o governo de São Paulo, liderado por João Doria (PSDB), e o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e não só foi a primeira a ser aplicada no Brasil como é a que está disponível em maior quantidade no país.

A tradição na produção de vacinas é antiga. Ao longo de sua história, o instituto se destacou como um dos principais produtores de vacina no país e, junto à BioManguinhos, da Fiocruz, fornece cerca de 75% de todas as vacinas do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde.

Às vésperas dessa celebração, o diretor do Instituto Butantan, o médico Dimas Tadeu Covas, 64, disse à Folha que o Brasil não tem se preparado para enfrentar pandemias como a que vivemos e que falta visão estratégica em relação a essas ameaças. Também afirmou que a interrupção das campanhas de vacinação não se deve à logística, mas à falta de planejamento, e fez duras críticas à atuação do governo federal na pandemia.

"Nunca existiu, até então, uma interferência política tão extrema na questão da saúde pública ao ponto de certas autoridades negarem a importância das vacinas, negarem a própria pandemia. E nós vivemos muito tempo lutando contra isso, o próprio Ministério da Saúde investindo em caminhos alternativos que não levaram a nada a não ser o uso indevido de recursos públicos em tratamentos que não têm nenhuma finalidade. É uma situação absolutamente surreal a que vivemos na área da saúde pública e, infelizmente, explica por que o Brasil é vice-campeão em mortes pela Covid-19."

De olhos no futuro, o instituto tem planos de expansão para se tornar o maior produtor de vacinas da América Latina.Pergunta - O Ministério da Saúde disse na última semana que esperava 9,3 milhões de doses do Butantan até o final de fevereiro, mas a capacidade de produção comunicada pelo senhor é de 2,6 milhões de doses até o fim do mês. A que se deve essa discrepância?

Dimas Covas - Na realidade, esse era o cálculo previsto no contrato que foi assinado em 7 de janeiro e teria sido integralizado caso não houvesse ocorrido o problema com a importação da matéria-prima, mas essa menção que o Ministério da Saúde fez é completamente fora da realidade.
Já foi demonstrado que o Butantan fez ofertas de vacinas ao ministério desde julho do ano passado e ele sempre negou. Caso tivesse aceitado, poderíamos ter entregado as doses desde novembro de 2020, e o ministério não se mexeu nesse sentido. O contrato foi assinado tardiamente com o Butantan, então colocar a responsabilidade do atraso do PNI no Butantan me parece gratuito, mesmo porque a vacinação só começou porque o Butantan entregou as doses.

O ministério diz ter garantido 354 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 contratadas até o momento para serem distribuídas à população ainda neste ano. Acha esse número factível?

DC - Mais uma vez, é a visão absolutamente burocrática com base apenas em números que estão nos contratos, mas não tem relação nenhuma com a realidade. Os dois maiores contratos que o Ministério da Saúde fez e inclusive já pagou foram o da Oxford/AstraZeneca e do Covax, e até o momento as empresas não entregaram nenhuma dose da vacina. A vacina que veio da AstraZeneca não era parte do contrato, ela veio da Índia. Se o ministério conseguir 80, 100 milhões de doses até julho desse ano será uma grande vitória. Eu, particularmente, tenho certas reservas em acreditar que isso acontecerá; acho que tem uma boa dose de esperança e não de fato nos dados da realidade que vivemos hoje.

Dentro do contrato finalizado estão de 100 milhões de doses do Butantan; essas serão entregues até quando?

DC - Nós trabalhamos nesse momento com a previsão de entrega até agosto, com a possibilidade de adiamentos. Trabalhamos por isso pelo nosso compromisso com a população brasileira, pela importância da vacinação nesse momento e pelo fato de não termos mais problema de fornecimento de matéria-prima, que está chegando regularmente. Agora esperamos que não ocorra mais nenhum problema, principalmente da área de relacionamento Brasil-China, que possa interferir nesse cronograma.

Quais os gargalos que enxerga hoje, na produção e distribuição das doses? Por que as capitais ficaram sem doses e o que seria necessário nesse momento para acelerar a entrega das doses?

DC - A logística não é o problema. O que falta mesmo é planejamento. O Brasil tem um programa de vacinação relativamente consistente, mas cuja execução é muito heterogênea, pois ela depende do município, e cada município hoje tem seus critérios. Houve uma heterogeneidade muito grande de planejamento das vacinas da Covid. Tem estados que avançaram em faixas não previstas no primeiro momento e outros que não controlaram adequadamente a distribuição de doses, criando escândalos de fura-filas como vistos por aí.

Acredito que o sistema precisa ser aperfeiçoado, mais controlado, mais planejado, porque hoje há muitos municípios que interromperam o processo de vacinação sendo que existe ainda um grande quantitativo de vacinas em estoque, armazenadas para a segunda dose.

Na pandemia, a relação entre Butantan e Ministério da Saúde teve idas e vindas, com anúncio de compra, recuo, anúncio de compra novamente e agora com essa troca de acusações. Por que essa relação tão difícil?

DC - Nunca existiu, até então, uma interferência política tão extrema na questão da saúde pública ao ponto de certas autoridades negarem a importância das vacinas, negarem a própria pandemia. Isso é inédito na história do Brasil. Nunca se viu um obscurantismo tão grande em relação a um fato tão claro que é a epidemia, sua relevância do ponto de vista médico, social e econômico. E nós vivemos muito tempo lutando contra isso, o próprio Ministério da Saúde negando a gravidade, investindo em caminhos alternativos que não levaram a nada a não ser o uso indevido de recursos públicos em tratamentos que não têm nenhuma finalidade.

É uma situação absolutamente surreal a que vivemos na área da saúde pública e, infelizmente, explica por que o Brasil é vice-campeão em mortes pela Covid-19.

Como vê a resistência neste momento à vacina contra a Covid-19? A última pesquisa Datafolha mostrou que ela caiu (agora, 79% dizem querer se imunizar, contra 73% em dezembro), mas 20% de negação ainda é considerável, não?

DC - Isso é o tipo de atitude que vai desaparecer rapidamente. À medida que as vacinas vão demonstrando a sua efetividade, os céticos vão ser impactados pela realidade. Obviamente sempre vai permanecer um percentual da população que é antivacina, contra qualquer tipo vacina. Se no futuro essa infecção se tornar endêmica, como é esperado, será necessário usar mecanismos para garantir que as pessoas, caso queiram ingressar em certos tipos de atividades ou trabalhos, terão que apresentar o passaporte de vacinação como acontece com outras doenças.

Por que o Butantan não liderou a produção nacional de uma vacina já em 2020 e por que as vacinas em desenvolvimento no país demoram tanto para concluir as etapas pré-clínicas? O que falta?

DC - As vacinas contra Covid-19 são absolutamente novas. Nós estamos com um ano e pouco de pandemia e é uma situação absolutamente não prevista. O fato de hoje termos vacinas que estão sendo utilizadas é porque elas se valeram de experiências anteriores com vacinas para outros coronavírus. No caso do Butantan, é uma situação inédita e demora um certo tempo para colocar em prática a produção de uma vacina do zero. Mesmo assim a evolução tem sido muito rápida e esperamos resultados até o final do ano.

O dinheiro investido com a compra das doses não poderia ter sido investido na fábrica de vacinas do Butantan para acelerar a produção nacional?

DC - O principal entrave não é falta de recurso ou de pessoal, mas, sim, a falta de preparo para enfrentar essas situações. O Brasil não tem, ao longo de toda a sua história, se preparado para enfrentar esse tipo de situação, ele sempre ingressa como retardatário. Não tem um sistema de vigilância ativa contra vírus emergentes ou mesmo algum setor encarregado de fazer isso. Falta uma visão estratégica em relação a essas ameaças.
Os países que já tinham passado por epidemias parecidas já estavam preparados, por isso investimos na compra dessas vacinas. Claro que com a pandemia essa necessidade surge, fica mais evidente. Quem sabe o país se torne capaz de criar essas estruturas e colocá-las para pensar esses desafios que virão pela frente.

O Instituto Butantan pretende implementar o CPV (Centro de Produção de Vacinas) para a produção de sete vacinas no país. Com isso, espera ser um centro de referência para produção de imunizantes em toda a América Latina?

DC - Exatamente, essa é uma das tentativas que vem no sentido de ter uma autossuficiência em vacinas, mas não só de vacinas para o setor público do Brasil, mas para a América Latina e quem sabe outras regiões do mundo, principalmente as mais pobres e mais necessitadas de vacinas.
Existe uma grande assimetria no mundo em relação às vacinas, com os países mais ricos concentrando mais de 80% do consumo das vacinas e os países de renda média ou baixa com muita dificuldade. Por isso, organizações como o Butantan precisam aumentar sua capacidade de produção, olhar para essas grandes diferenças que existem no mundo e tentar ajudar por meio de organismos internacionais como a Unicef, a OMS [Organização Mundial da Saúde] e a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde].

A previsão de inaugurar a fábrica a partir do segundo semestre deste ano está mantida?

DC - O CPV é uma fábrica multipropósitos que vai produzir não só a Coronavac mas também poderá produzir outras sete vacinas no país. Ela deve estar pronta ainda até o final deste ano e vai começar a funcionar a partir do ano que vem.

Uma lei aprovada pelo Congresso fixa prazo de cinco dias para que a Anvisa autorize o uso emergencial de vacinas no Brasil, desde que aprovadas por organismos internacionais. O que pensa a respeito?

DC - Como vê o lobby em Brasília pela vacina Sputnik e a pressão sobre a Anvisa? Eu vejo com muita preocupação. A Anvisa é a autoridade sanitária do país e existe para proteger a população. Toda vez que há uma intervenção externa, qualquer que seja, isso preocupa.
O que nós devemos exigir da Anvisa é rapidez, presteza nos seus processos de análise, melhoria na qualidade dessas análises. Agora interferir diretamente nos procedimentos dizendo isso ou aquilo é muito perigoso e pode criar uma prerrogativa.

Há um estudo em andamento da Coronavac com as variantes do vírus em circulação?

DC - Sim, há estudos em andamento na China contra as variantes do Reino Unido e da África do Sul, e tem um estudo em andamento aqui no Brasil com relação à variante de Manaus, chamada P.1. Em breve teremos esses resultados. Preliminarmente, parece que a Coronavac vai bem contra as variantes inglesa e sul-africana, mas são resultados preliminares.

Como acha que essas variantes podem impactar as campanhas de vacinação pelo mundo? A África do Sul já cancelou a campanha com a vacina de Oxford por isso. As pessoas podem ficar mais reticentes a se vacinarem?

DC - O que pode acontecer é a vacina não proteger totalmente contra a nova variante, e isso não seria motivo para interromper a campanha de vacinação, mesmo porque as variantes anteriores também continuarão a circular.
Se de fato há uma vacina não efetiva contra determinada variante, ela precisa ser adaptada também para fazer a cobertura dessa variante, eventualmente prevendo uma dose adicional.
O aparecimento de variantes é uma coisa absolutamente normal e esperada. À medida que a pandemia vai progredindo, novas variantes irão surgir e, se você já tem uma imunidade natural, mesmo que não seja altamente efetiva, algum grau de proteção vai dar.

Pensam em fazer atualização da vacina?

DC - Sim. Como as plataformas [das vacinas] já estão bem estabelecidas, a adaptação para as novas variantes não vai representar um grande desafio. O grande desafio será em relação à cadeia de produção, ao volume muito grande de doses produzidas, e isso demanda uma logística mais complicada. Caso seja verificada a necessidade dessa mudança [de cepa para a produção da vacina], ela será gradual.
*
Raio-X
Natural de Batatais (SP), Dimas Tadeu Covas deixou temporariamente o cargo de professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto em 2017 para assumir a direção do Instituto Butantan. Graduou-se em medicina (1981) e fez mestrado (1986) e doutorado (1993) na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. É especialista em hematologia.

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