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segunda-feira, 3 de maio de 2021

Bolsonaro acentua crise de identidade do militar como um ator político

 

Sem os freios e contrapesos que o poder civil deveria exercer, os fardados tiveram seu prestígio emprestado pelo capitão reformado do Exército, que lhes devolveu em benesses, mas também em dano de imagem de difícil reversão

© Getty Images

Com as Forças Armadas de volta ao centro do palco, o governo Jair Bolsonaro acentuou a crise de identidade dos militares como atores políticos no Brasil.

Sem os freios e contrapesos que o poder civil deveria exercer, os fardados tiveram seu prestígio emprestado pelo capitão reformado do Exército, que lhes devolveu em benesses, mas também em dano de imagem de difícil reversão.


Este é o resumo da avaliação feita à Folha por militares da ativa e da reserva, acadêmicos e políticos com trânsito nos quartéis ao avaliar o papel das Forças após a mais grave crise no setor desde 1977.


Em março, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, levando à renúncia coletiva dos três comandantes das Forças –que foi transformada numa exoneração pelo novo titular da pasta, o também general da reserva Walter Braga Netto.


A escolha dos novos chefes militares acalmou um pouco os ânimos, mas não a questão central. Bolsonaro insiste em usar o nome das Forças como apoiadoras de seu projeto político, particularmente ao continuar ameaçando empregá-las contra medidas restritivas aplicadas por estados para tentar conter a pandemia.


"[A crise] foi uma chance de afirmação da missão constitucional das Forças. Foi uma confirmação da postura profissional, que é igual nos novos e nos antigos comandantes", disse o general Carlos Alberto dos Santos Cruz.


Símbolo da presença militar na Esplanada, por ter assumido a Secretaria de Governo de Bolsonaro, esse respeitado oficial da reserva foi demitido após refregas com políticos e com a dita ala ideológica.

Hoje, faz oposição a Bolsonaro, mas não renega sua opção inicial. "O que há é um número excessivo de militares no primeiro escalão, o que dá a percepção de vínculo institucional", afirma o militar.


"Isso é um desgaste para as Forças. O erro do governo foi o de desequilibrar a representação social em seus quadros", diz, completando que a passagem do general Eduardo Pazuello pela pasta da Saúde foi "um negócio desastroso".


"Se o presidente não conhece pessoas competentes após 28 anos de Congresso, tem alguma coisa errada", diz ele, que teme uma disputa no ano que vem entre "governo de 20 anos atrás" (do PT) e um "governo despreparado" (o atual, de Jair Bolsonaro).


Há uma questão de fundo colocada na discussão: desde o golpe que instaurou a República, em 1889, os militares são personagens centrais de momentos de inflexão da vida política no Brasil.


"Na configuração das Forças Armadas, subjaz um papel político. Eles acabaram com o Império, houve o tenentismo, a derrubada de Getúlio Vargas, as crises militares dos anos JK, 1964", afirma Vinicius Mariano de Carvalho, diretor do Brazil Institute do King's College de Londres.

Para ele, um dos principais especialistas em assuntos militares brasileiros da atualidade, a tensão da crise de março, apesar de excepcional, se encaixa em um padrão.


"Já trocamos de ministro da Defesa por causa de nota do Exército", diz, lembrando da queda de José Viegas por discordar de uma apologia do golpe feita em 2004.


Ele aponta para a omissão do poder civil, que constitucionalmente deveria controlar as Forças Armadas e lhe dar um norte. "Ele se comporta como se os militares tivessem sempre de dizer algo", afirma.


Concorda com Carvalho o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, titular da pasta de 2016 a 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB). "Enquanto o poder político se eximir, os militares se sentem legitimados para exercer uma tutela", afirma.


Há resistências a mudanças de todos os lados. Na sua gestão, não foram para frente planos de criação de carreiras de analistas civis de defesa no ministério.


"O importante é haver um projeto para as Forças Armadas", diz Jungmann, considerando que o poder político deve "exercer sua liderança com o diálogo". Desde a redemocratização até Bolsonaro, contudo, os militares foram isolados na caserna.
O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio, acredita ser impossível travar tal discussão com Bolsonaro no poder.


"Isso é assunto para 2022, para um governo não bolsonarista", afirma, lamentando a previsível ausência desse debate na campanha eleitoral.

Ele não acredita que apenas a centro-direita, que criou a pasta em 1999 sob Fernando Henrique Cardoso (PSDB), possa ter algum interesse no assunto: a esquerda tenderia a repetir os anos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e buscar agradar aos fardados com compensações orçamentárias.


Para ele, "os políticos morrem de medo dos militares, aí fica fácil para as Forças Armadas" se envolverem em áreas do poder civil.
O próprio fato de a pasta ter sido ocupada por três generais depois de passar quase 20 anos sob civis, após a saída de Jungmann, mostra os óbices quando o tema é defesa.


"Para a classe política, assuntos militares nunca foram entendidos como de interesse civil, diferentemente do que acontece no mundo anglo-saxão", aponta Gunther Rudzit, professor de relações internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo.


Ele crê, contudo, que não é de interesse de ninguém além de Bolsonaro esse alarido em torno dos fardados.


"Acredito que, depois dos desgastes que os militares vêm passando com o atual governo, a disposição de participar diretamente na política deve diminuir e eles busquem voltar a ser um ator com menor exposição, como eram antes."


Para três oficiais-generais da ativa, que pediram para não serem identificados, essa é a tendência da caserna –ainda que não seja a da reserva, sempre mais estridente e bastante bolsonarista em sua maioria.


O problema, diz um general, é que no Brasil Clube Militar é visto como parte das Forças Armadas. E de lá saem manifestações francamente golpistas contra o Supremo Tribunal Federal, de resto uma instância muito criticada na ativa também, e o Congresso.

Já um almirante acha que a crise militar deixou marcas claras, mas que não se deve desconsiderar a origem do apoio majoritário a Bolsonaro em 2018 entre os fardados: o antipetismo e o fastio com a corrupção desvelada pela Operação Lava Jato a partir de sua criação, em 2014.


Ele discorda de uma avaliação feita por dois deputados federais próximos da área de defesa de que os militares também queriam resgatar a imagem do golpe de 1964, chamado pelo próprio Azevedo de "marco da democracia".


Como diz Santos Cruz, "as Forças pagam um preço muito alto ainda", apesar de apenas a cúpula da oficialidade ter se formado no tempo da ditadura que acabou em 1985 –além dos militares em torno de Bolsonaro e do próprio presidente, apologista do período desde que era deputado.


O oficial lembra que as pesquisas disponíveis já mostravam grande prestígio das Forças. Na mão contrária, esse oficial acha que Bolsonaro foi quem resolveu se aproveitar dela em seu favor.
Sugere a mesma visão um brigadeiro, membro da Força menos representada no governo –dos sete ministros, apenas um tem passagem pela FAB, o astronauta Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), que nem é visto como militar pelos seus pares.


Esse aviador diz, contudo, que numa eventual disputa entre Bolsonaro e Lula em 2022, não haveria dúvida de que o presidente teria o apoio fardado. Nisso, sustenta, não haveria problema, desde que seja feito um cordão sanitário entre o serviço ativo e os militares no governo.


E isso é um problema quando há oficiais da ativa no governo –após a saída de Pazuello, não há mais nenhum entre os sete ministros da área.


Mas há aproximadamente 6.000 militares emprestados para funções civis, cerca da metade em funções comissionadas.
O ex-ministro Santos Cruz defende que haja uma solução do Congresso para "todas as carreiras de Estado", regrando a presença no Executivo. "O [Sergio] Moro teve de pedir demissão da magistratura para ser ministro", afirmou.


Tal separação parece ser de difícil execução, diz Amorim Neto. Afinal de contas, em novembro o então comandante do Exército, Edson Pujol, estabeleceu a linha vermelha.


Disse numa live que militares não deveriam participar da política, nem deixar a política entrar nos quartéis.


Isso foi visto com alívio pela Forças, mas ajudou ainda mais a antagonizar Pujol a Bolsonaro –parte da pressão do presidente sobre Azevedo era para derrubar o chefe do Exército, algo que ele já havia especulado em 2020.


Um outro general pondera que seu ex-chefe pecou por falta de diplomacia. Bolsonaro, que é visto como um líder inseguro, gosta de aparecer até em formatura de cadetes, e Pujol quase nunca o acompanhava por considerar isso exploração política.


Esse oficial afirma que o novo comandante, Paulo Sérgio Nogueira, tem mais traquejo.


Ele terá de acomodar as veleidades do presidente.


Ao mesmo tempo, ele já indicou que deixará as redes sociais, tão ao gosto bolsonarista e palco do infame episódio em 2018 no qual o então chefe do Exército, Eduardo Villas Bôas, pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para Lula.


Expostos à luz do escrutínio público, os militares também têm questionadas suas motivações. Sob Bolsonaro, viram aprovadas reformas previdenciária e de carreira altamente favoráveis à corporação, particularmente os oficiais.


Os oficiais-generais ouvidos reconhecem simpatia maior a Bolsonaro à medida que se desce na hierarquia dentro dos quartéis. Ao mesmo tempo, dizem não perceber a temida politização dos estratos inferiores –diferentemente, na avaliação deles mesmos, do que ocorre nas polícias estaduais.


Programas prioritários da Defesa foram preservados de cortes orçamentários nos dois primeiros anos de governo, embora isso esteja em dúvida com o agravamento da crise econômica na pandemia.


Enquanto o psicodrama se desenrola, segue a ausência de foco civil apontada por Jungmann. "Falta água, aciona o Exército. O militar não escolhe a carreira por humanitarismo, e sim para exercer a força em nome do Estado", diz Carvalho. A Força trabalha na Operação Carro-Pipa, no semiárido, desde 1998.


Ainda assim, a Defesa coloca bastante ênfase pública no seu papel no combate à Covid-19, que inclui um trabalho diuturno de transporte de materiais pelo país.


Já a presença como líder de forças de paz da ONU, que para muitos ajudou a profissionalizar a tropa em especial no seu tempo no Haiti, se esvaiu nos últimos anos.


Carvalho considera que os avanços do século 21, como a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa, são ameaçados com a remilitarização da Defesa a partir do governo Temer –algo que Jungmann não vê como um complicador.


"Os EUA têm cometido esse erro recentemente [de deixar o Departamento de Defesa com um fardado da reserva à frente], o de achar que é um posto militar", afirma.


"Não vejo o desejo de mudança, ou seja, de um controle civil. Como estava antes era benéfico para a classe política, até mesmo quando da necessidade de convocação da atuação militar em operações de Garantia da Lei e da Ordem, uma vez que isso os exime das responsabilidades", avalia Rudzit.
Foram 143 dessas ações desde 1992, embora o ritmo tenha diminuído sob Bolsonaro.


A Folha procurou Braga Netto e os chefes das três Forças. Só recebeu uma resposta genérica da Defesa, acerca da prioridade a programas estratégicos, sem entrar na discussão política.


"O Ministério da Defesa atuará para manter as Forças Armadas adequadamente motivadas, preparadas e equipadas, a fim de serem capazes de cumprir suas missões constitucionais e de prover a adequada capacidade de dissuasão", limitou-se a dizer a pasta.

VIA...NOTÍCIAS AO MINUTO

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