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terça-feira, 30 de março de 2021

Dona Ivone Lara foi transformadora sem ser ativista, mostra biografia

 

"Dona Ivone não fala de justiça social", escreve a autora

© Getty Images

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A proposta de "Dona Ivone Lara - Sorriso Negro" trazia um risco embutido -fazer da cantora e compositora apenas pretexto para um ensaio sobre as lutas de mulheres e negros. A autora, Mila Burns, escapa dessa armadilha ao entrelaçar biografia e reflexão sem que uma anule a outra.


Em 2009, a jornalista e pesquisadora lançou "Nasci para Sonhar e Cantar: Dona Ivone Lara - A Mulher no Samba", fruto de seu mestrado em antropologia social.

Para a dissertação, fez várias entrevistas com Dona Ivone. O livro de agora chega três anos depois da morte da artista carioca, aos 96 anos, segundo o registro oficial, ou 97, como aponta Lucas Nobile em "Dona Ivone Lara - A Primeira-dama do Samba".

O novo trabalho de Burns -que vive em Nova York desde 2010- integra a coleção "O Livro do Disco", voltada para álbuns musicais importantes, não só brasileiros. O disco, no caso, é "Sorriso Negro", lançado em 1981.

Perpassa todo o livro uma ideia que Burns resume já perto do final. "Apesar da tenacidade, Dona Ivone nunca abraçou nenhuma forma de engajamento político. Preferia a melodia à letra, o lirismo ao poder, a conciliação ao questionamento. Apesar de ela rejeitar rótulos, sua existência teve uma importância para as pessoas negras e as mulheres no Brasil que muitos ativistas nunca conseguirão alcançar."

Conceito fundamental para a autora é "resistência pela existência". Segundo Burns, Dona Ivone não ergueu bandeiras, mas sua vida encarna grandes avanços. Crescida no morro da Serrinha, na zona norte do Rio de Janeiro, não quis depender de provedores e, em 1947, foi trabalhar no Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, onde ficou por 30 anos. Esteve ao lado de Nise da Silveira, médica que, entre outras ações transformadoras, usava arte no tratamento de doenças mentais.

Só ao se aposentar, a sambista passou a se dedicar integralmente à música. Como Burns destaca, Dona Ivone tinha consciência de que ser mulher e negra atrasara seu reconhecimento como artista, mas não demonstrava ressentimento. "Fiz porque queria" era um lema para indicar que escolheu seus caminhos.

Compunha sambas desde a década de 1940, algo então malvisto para uma mulher. Repassava a autoria a Mestre Fuleiro, seu primo. "A discriminação nunca me enfureceu. Eu tinha orgulho de ver que as pessoas gostavam das minhas criações", disse a Burns.

A faixa-título do disco "Sorriso Negro" é uma das duas que não têm o nome de Dona Ivone na parceria. Mas ela contou que fez ajustes na composição, só dispensando o crédito.

Entre outras canções, estão no álbum "Alguém me Avisou", "A Sereia Guiomar", "Tendência" e uma regravação de "Os Cinco Bailes da História do Rio". Este samba-enredo do Império Serrano, de 1965, foi o primeiro de uma escola do grupo principal a ter uma mulher entre os autores.

Burns reconhece que "Sorriso Negro" não é um disco ativista, mas o situa num momento de ativismos. O país vivia sua abertura política, no lento ocaso da ditadura. Organizações de mulheres se formavam em busca da igualdade de direitos. Surgiam forças como o Movimento Negro Unificado, nascido em 1978, com Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento à frente.

Bisneta de escravizada, Dona Ivone tem composições em que as origens africanas estão explícitas, caso de "Axé de Ianga", última faixa de "Sorriso Negro". Ela conhecia bem manifestações afro-brasileiras como o jongo e danças como o miudinho, que mostrava nos palcos.

O tratamento de "dona", que ela rejeitou de início, evoca as matriarcas negras, como as mães de santo no candomblé e as tias baianas que estão nos primórdios do samba.

Burns conta que "Sorriso Negro", um samba de afirmação e não de revolta, é cantado nas celebrações da Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador.

"Dona Ivone não fala de justiça social", escreve a autora. "Ela simplesmente afirma sua identidade. Mesmo assim, ao fazer isso, gera um considerável impacto social. A biografia de uma mulher como Dona Ivone tem papel central na construção da identidade negra brasileira.

"DONA IVONE LARA - SORRISO NEGRO
Preço R$ 46 (162 págs.)
Autor Mila Burns
Editora Cobogó
Avaliação Muito bom

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